terça-feira, 25 de março de 2014

Ondulações na água e a rã-túngara macho

Pesquisadores da Universidade do Texas de Austin descobriram que quando as rãs tungara machos fazem serenatas às fêmeas em uma lagoa, elas criam ondulações na água que fazem com que elas sejam mais facilmente atingidas por seus rivais e predadores, como os morcegos, por exemplo.

Uma rã tungara vai parar de vocalizar se ele ver um grupo de morcegos, mas as ondulações continuam movimentando a água por muitos segundos após o animal cessar o canto. Nesse estudo, publicado recentemente no jornal da Science, pesquisadores encontraram evidências de que os morcegos usam a ecolocalização - uma forma natural de som - para detectar essas ondulações e os abrigos onde estão as rãs. A descoberta lança luz sobre uma corrida armamentista evolucionária em curso entre rãs e morcegos.

A rã macho tungara (Physalaemus pustulosus), nativo da América Central e do Sul, passa suas noites vocalizando em lagoas rasas na busca por um acasalamento. No entanto, seu canto que é baseado sobre um padrão de "lamentações e cacarejamentos", inadvertidamente cria uma exposição multisensorial que pode ser explorada por amigos e inimigos.
Figura 1: as ondulações perduram por muitos segundos após a rã macho tungara (Physalaemus pustulosus) ter parado de vocalizar. Foto: Ryan Taylor.
Quando o canto amoroso dos anfíbios é realizado, o saco vocal deles infla e desinfla continuamente, como um balão pulsante. Esse saco pulsante cria uma dica visual, mas também cria um terceiro sinal - ondulações na superfície da lagoa.

"Um tema geral desta pesquisa é que a nossa forma de se comunicar com qualquer tipo de sinal é realizada pela criação de uma perturbação no meio ambiente", diz Mike Ryan co-autor do estudo e professor no Departamento de Biologia Integrativa da Universidade do Texas de Austin. "Quando nós vocalizamos, causamos mudanças na pressão do ar em torno de nós e isso é o que nós ouvimos. Quando usamos sinais visuais, a luz refletida, seja qual for o pigmento que estamos utilizando, é transmitida para o receptor. Qualquer coisa que fizermos perturba o ambiente, seja voluntariamente como um sinal de comunicação ou não.

Os pesquisadores descobriam que os morcegos predadores de rãs (Trachops cirrhosus) era muito mais propensos a atacar uma rã que vocalizasse duas vezes e tivesse ondulações irradiando a partir dele do que as rãs que vocalizasse e não produzisse ondulações (figura 2). Isso sugere que eles podem detectar essas ondulações, muito provavelmente pela ecolocalização. Entretanto, morcegos parecem perder essa vantagem se a área em torno do sapo estiver cheia de serrapilheira, o que pode parar as ondas de propagação.


Figura 2: Morcegos utilizam ondulações induzidas pelo canto para caçar rãs. (A) Morcegos predadores de rãs realmente utilizam a ecolocalização para caçar suas presas. A superfície da água reflete altamente os sinais da ecolocalização, mas o retorno da eco (setas azuis) depende fortemente do ângulo entre a propagação do sinal (linhas vermelhas) e a superfície da água. (B) Espectográfico, exemplo de um sinal de ecolocalização de morcegos, com o tempo no eixo X e a frequência no eixo Y. (C) Eco imagens derivadas do ar produzidas por um sonar sintético submetido a diferentes ângulos para testar o "pool". A amplitude do eco diminui de acordo com a redução dos ângulos.  (D) Perturbação na superfície da água durante ondulações de playback produziram altas variâncias na amplitude do eco, maiores do que na superfície controle. (E) Resultados de um teste de duas escolhas com morcegos, mostrando a preferência dos morcegos em atacar os pools experimentais com ondulações. (F) A preferência por ondulações depende das condições ambientais. Quando ambos os locais foram cobertos com uma camada de folhas (serrapilheira ambiental), a preferência desapareceu.
"O interessante é que essas rãs tem desenvolvido uma estratégia para escapar da predação", diz o autor principal Wouter Halfwerk, um pós doutorando da UT Austin. "Quando um sapo detecta a sombra de um morcego, sua primeira defesa é para de vocalizar imediatamente. As ondulações continuam a emanar por alguns segundos, criando um olho de boi aguado na rã. Os morcegos utilizam essas ondulações, batendo assim a estratégia anti-predador."

Por outro lado, as ondulações parecem aumentar a resposta de rãs machos rivais ao canto inicial. Os pesquisadores descobriram que quando um canto foi acompanhado de ondulações, outras rãs machos foram mais propensos a responder do que se a vocalização foi transmitida por si só. Além disso, quando eles respondem, eles também respondem com mais entusiasmo.

Se um canto acompanhado por ondulações na água estava fora da zona de defesa dos machos, um círculo de 15cm ao redor, machos rivais vocalizaria mais de duas vezes mais rápido do que se eles apenas escutassem o canto inicial por si só. Se o canto, novamente com ondulações, estava dentro do seu território, as rãs rivais tendem a vocalizar menos, muitas vezes parando completamente e esvaziando seus sacos vocais, supostamente se preparando para vocalizar novamente ou correr.

Fonte: W. Halfwerk, P. L. Jones, R. C. Taylor, M. J. Ryan, R. A. Page. Risky Ripples Allow Bats and Frogs to Eavesdrop on a Multisensory Sexual Display. Science, 2014; 343 (6169): 413 DOI: 10.1126/science.1244812.

Confira o artigo na íntegra acessando este link: https://www.sciencemag.org/content/343/6169/413.full.pdf.

Grande abraço, espero que goste da síntese do artigo. Deixe seu comentário.

Matar dingos tem efeitos colaterais

Um estudo recentemente publicado na nature (março de 2014) apresentou dados e peculiaridades sobre o controle de um predador de topo na Austrália, o Canis lupus dingo (Foto abaixo). Os esforços empregados no controle populacional dos dingos pode ter gerado efeitos ecológicos involuntários, como o decréscimo da vegetação e a diminuição de populações de pequenos mamíferos. Entenda melhor essa história acompanhando a síntese que fiz do artigo.

Foto: Dingo australiano, Canis lupus dingo, uma subespécie do lobo selvagem Canis lupus. A espécie encontra-se atualmente em estado de conservação vulnerável à extinção devido a redução por atividade antrópica de habitats disponíveis.
No sudeste da Austrália, funcionários do governo vem causando o envenenamento dos dingos para reduzir o impacto do predador na atividade de pecuária. Mike Letnic da Universidade de Nova Gales do Sul em Sidney e sua equipe compararam sete sítios em florestas de Eucalipto do sudeste da Austrália, nos quais os dingos são controlados, com o mesmo número de locais ecologicamente similares, onde os animais são deixados sozinhos, ou seja, onde não há o controle populacional.

Áreas onde os dingos são mortos apresentavam populações maiores de suas presas, como os cangurus, mas continham também menos vegetação rasteira e menos pequenos mamíferos. 

À medida que as populações de presas crescem em áreas com controle dos dingos, esses animais consomem mais vegetação, reduzindo a cobertura em que seus pequenos mamíferos podem se esconder de seus predadores.


Fonte: Nature, 03/2014.


terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Artigo explica o gradiente latitudinal de diversidade de mamíferos

 "Faster Speciation and Reduced Extinction in the Tropics Contribute to the Mammalian Latitudinal Diversity Gradient"

Especiação rápida e extinção reduzida nos trópicos contribuem para o gradiente latitudinal de diversidade de mamíferos

O que explica o gradiente de diversidade de espécies nos trópicos? Vários debates, pesquisas e questionamentos já vêm sendo realizados desde os tempos de Darwin. A maioria dos grupos, especialmente os anfíbios, invertebrados marinhos, insetos, mamíferos, aves e micro-organismos apresentam uma alta diversidade nos trópicos. Por quê? 

Ultimamente, quatro componentes principais estão sendo utilizados para explicar esse padrão, sendo eles: o tempo de colonização de uma região por um clado, taxas de especiação, taxas de extinção, e eventos de dispersão. Além disso, três fatores devem em princípio contribuir para a alta diversidade nos trópicos, sendo eles: a origem de muitos clados nos trópicos, maiores taxas de diversificação nos trópicos, e altas taxas de dispersão de organismos da região temperada para a tropical. 

Tem sido reforçado também que a especiação é alta nos trópicos devido a uma maior estabilidade climática, maiores períodos sazonais, efeitos de área, maior produção de energia, e ao aumento da força das interações bióticas. Por outro lado, variações climáticas e ciclos glaciais podem ser responsáveis pelas extinções em larga escala nas regiões temperadas. 
A figura 1 demonstra o número de espécies no gradiente latitudinal com as implicações aplicadas na explicação da diversidade global. Veja e observe que a taxa de especiação é maior nos trópicos, a taxa de extinção é maior nas regiões temperadas, e a diversidade net e a taxa de dispersão são maiores nos trópicos.

Figure 1 Support for the “out of the tropics” scenario of mammalian species richness.
Figura 1: Cenário de riqueza de mamíferos. Da esquerda para a direita, gradiente latitudinal de diversidade global de mamíferos, e posterior distribuições de especiação, extinção, diversidade net (especiação - extinção) e taxas de dispersão correspondentes a biomas temperados (em azul) e a tropicais (em verde).

Deste modo, a diversidade de mamíferos como a maioria de todos os organismos vivos é maior nos biomas tropicais. Observe na figura 2 que apenas as ordens Carnivora e Lagomorpha não apresentam picos de diversidade nos trópicos, sendo a ordem Lagomorpha a única com maior diversidade em regiões temperadas.
Figure 2 Diversification rates are consistent with diversity patterns across mammalian orders.
Figura 2: Diversidade de oito ordens mais representativas de mamíferos. Painéis a esquerda representam a riqueza total e a direita o gradiente de diversidade latitudinal. Distribuições posteriores de especiação, extinção e diversidade net em biomas temperados (azul) e tropicais (verde) são apresentados o modelo de melhor ajuste. A cor cinza indica que o modelo de melhor ajuste tinha taxas equivalentes em biomas tropicais e temperados.



Portanto, fica nítido que o gradiente latitudinal de diversidade nos trópicos pode ser explicado, ao menos em parte, pelas eventos e mecanismos que influenciam na dinâmica e história de vida dos organismos. A figura a seguir mostra no geral como podem ser representadas as taxas de extinção e especiação de acordo com o tempo nos dois tipos de biomas diferentes.
Figure 3 Speciation and extinction rates through time in the temperate and tropical biomes.
Figura 3: Taxas de especiação e extinção de acordo com o tempo em biomas tropicais e temperados. Observe que a taxa de especiação é mais alta nos trópicos, e a taxa de extinção é maior nas regiões temperadas.
Espero que tenha compreendido um pouco mais sobre o "porquê" de uma maior diversidade de vida e de formas nos trópicos. Na realidade é preciso ir mais adiante para entendermos toda a dinâmica do processo, mas o primeiro passo já acabamos de dar.


Fique a vontade e leia o artigo na íntegra no endereço:

http://www.plosbiology.org/article/fetchObject.action?uri=info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pbio.1001775&representation=PDF


Grande abraço.




Fonte: Plos Biology.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Leaf frog ‘leg-waving’ behaviour - "Comportamento de sapos acenando perna em folhas"

Os anuros são os maiores representantes da Classe Amphibia e apresentam uma vasta gama de comportamentos visuais e acústicos de ampla complexidade. Navegando na internet encontrei um vídeo muito interessante sobre um comportamento nunca antes descrito para o hilídeo Cruziohyla calcarifer. Esta espécie juntamente com C. craspedopus compõem o gênero Cruziohyla, o qual pertence a família Hylidae e sub-família Phyllomedusinae. Veja abaixo as duas espécies:

Cruziohyla calcarifer.

Cruziohyla craspedopus

O novo comportamento descrito para C. calcarifer trata-se de um comportamento comunicativo (vibração e acenação do membro posterior) que ocorre quando o anuro está sob folhas. O pesquisador Adrew Gray relatou que o comportamento realizado por esta espécie é territorial, pois, através de seu estudo ele observou que machos dessa espécie eram estimulados a realizarem tal comportamento quando outros machos chegavam próximos a eles. 

Mas uma vez vejo o quão pouco sabemos sobre o mundo animal. Veja abaixo o vídeo e confira este comportamento magnífico!


Fonte: Andrew Gray, Frog Blog Manchester.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Estrada Fantasma assusta aves?

Artigo publicado na nature recentemente demonstra que o tráfego de aves pode ser influenciado por ruídos.

Why did the bird not cross the road? Por que as aves não atravessaram a estrada?
Ruídos, ao que tudo indica, faz ao menos parte dessa explicação.

Christopher McClure, Jesse Barber e seus colegas da universidade de Boise em Idaho, Estados Unidos, criaram uma estrada fantasma para testar os efeitos de ruídos no tráfego de aves, sem carros reais ou interrupções da paisagem visual.

Os pesquisadores promoveram sons contínuos através de alto-falantes uniformementes espaçados ao longo de um cume de 500 metros na região do tráfego das aves por um período de quatro dias, seguido de quatro dias de silêncio. Eles monitoraram vários sítios entre a estrada falsa e na área controle sempre de manhã por sete semanas e meia, aproximadamente dois meses.

Quando as gravações eram executadas, o número de aves declinava o equivalente a mais de um quarto, ou seja, mais de 25%. Duas espécies, Bombycilla cedrorum e Setophaga petechia evitaram o tráfego na estrada com ruídos quase completamente. Veja as figuras representativas das duas espécies citadas:

Figura 1: Bombycilla cedrorum, conhecida popularmente como "Cedar Waxwing". 

Figura 2: Setophaga petechia, conhecida vulgarmente como toutinegra-amarela ou mariquita-amarela.

São artigos como este que nos mostram como nós humanos impactamos a vida dos animais. Muito interessante a pesquisa, a partir de dados descritos podemos ao menos levantar medidas mitigatórias que amenizem a destruição e devastação descontrolada.

Fonte: Phantom road frightens birds, artigo publicado na Nature.